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A AVALIAÇÃO DE AH/SD

Avaliar pessoas com AH/SD é semelhante e também diferente de avaliar outras pessoas. Embora as áreas a serem avaliadas sejam parecidas, para as pessoas com AH/SD, as técnicas avaliativas e os testes psicológicos exigem características especiais. Enquanto muitos profissionais são treinados para avaliar muitos tipos de pessoas, poucos têm o treino especializado para avaliar pessoas com AH/SD. A percepção, em geral, é de que estas crianças, adolescente e adultas(os) com suas habilidades e potenciais em muitas áreas não têm necessidades especiais, sejam elas educacionais ou outras que, em verdade, merecem séria atenção clínica [*].

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por isso, é muito importante que os pais, quando suspeitam que sua filha ou filho tenha AH/SD, procure por um profissional qualificado e com experiência na área de avaliação e acompanhamento psicoeducacional em AH/SD. Em caso de pessoas adultas, é igualmente importante buscar por uma avaliação (para ler mais, vide aba Textos - Vida Adulta e AH/SD).

 

TESTAGEM x AVALIAÇÃO

Estas duas atividades são frequentemente discutidas e criticadas juntas apesar de que serem completamente diferentes [*]. Como psicóloga, eu realizo ambas, pois parto da perspectiva de avaliação multidimensional (vide aba Modelos/Teorias em AH/SD).

A testagem psicométrica de inteligência significa apresentar itens de testes de acordo com direções pré-definidas muito específicas em que a aplicação exige ser rigorosamente seguida conforme o manual. Os resultados são usualmente reportados em números. Esta é uma atividade limitada e a informação que ela oferecer é igualmente limitada[*].

A avaliação, ao contrário, inclui a administração de testes, mas vai muito além disso. Um teste bem administrado pode ser o mesmo para cada pessoa, ou seja, pode ser independente da experiência pessoal e da subjetividade de cada um [*]. Em outras palavras, a aplicação do teste não muda. Mas uma avaliação psicoeducacional e também clínica é altamente dependente de fatores como treino do avaliador ou avaliadora, orientação teórica, experiência pessoal e profissional, e conhecimento científico.

Quando um teste é bem aplicado, o profissional que o administra não impacta significativamente os resultados nem para o bom nem para o mal desempenho do avaliando(a)[*].

Ao contrário, quando se trata da avaliação, o profissional tem um elevado impacto no resultado final. Por isso, avaliar uma pessoa com AH/SD é um processo que mescla a ciência e a arte[*], pois exige de quem avalia uma série ampla de habilidades que não se resume ao aspecto racional da vida. É preciso profunda sensibilidade, conexão consigo, para que se possa fazer uma conexão com o outro.

A IDADE DA PESSOA A SER AVALIADA

Todos os testes e todas as avaliações variam de acordo com a idade, especialmente para as crianças, pois espera-se que elas façam diferentes coisas em diferentes idades[*]. Então, saliento que a avaliação de uma criança de 3 anos não é igual a aquela feita com uma de 9 anos, um adolescente de 12 ou um adulto de 20. É comum que se espere uma padronização das avaliações em instrumentos e tempo de duração, mas defendo que padronizar é desconsiderar a singularidade de cada faixa etária, o que traz prejuízos no resultado final.

De modo geral, é adequado que se use um teste padronizado para aquela faixa etária específica, sem levar em conta o nível de habilidades. Isto porque as habilidades serão avaliadas por outros instrumentos adaptados conforme o contexto. As pessoas com AH/SD realizam uma série de coisas mais cedo que seus pares da mesma idade e/ou as realizam em um nível bem acima do esperado para sua idade. A avaliação precisa ser adaptada. Há duas estratégias de adaptação para essas situações, especialmente em crianças[*].

Uma delas é escolher um teste que avalie a área de destaque da criança padronizado com idade cronológica um pouco acima da sua idade e comparar com os resultados de um teste padronizado para a sua idade. Ambos testes darão um panorama mais amplo[*].

Uma segunda estratégia é observar comportamentos e habilidades que usualmente aparecem em crianças com idade mais adiantada. Por exemplo, pode-se fazer um inventário de quais livros a criança leu nos últimos seis meses antes da avaliação e observar se o conteúdo dos livros é compatível ou não com sua idade cronológica. Ou quais seus recentes interesses, suas atividades favoritas, etc[*].

Saliento que é muito importante que este mapeamento seja dentro das áreas de interesse da criança, pois de nada adianta fazer inventário de livros com uma criança que não aprecia tanto a leitura, mas prefere jogar futebol ou desenhar. Se ela gosta tanto do futebol, então é preciso conversar com seu treinador(a) ou professor(a) de educação física sobre seu desempenho em relação aos demais. Se ela ama artes, então é preciso fazer inventário de sua produção artística.

O mais importante é não fazer suposições acerca da realização baseadas na idade cronológica nem no nível exigido pela educação escolar. Uma boa avaliação parte de testes escolhidos e aplicados adequadamente e outros instrumentos que permitam a criança, adolescente e adulta(o) mostrar suas habilidades em qualquer área de seu interesse.

A HISTÓRIA DE VIDA

Cada pessoa, com AH/SD ou não, tem uma história.Quando uma criança ou adolescente passa por um teste, informações dos pais não é coletada, ou seja, a testagem isolada ignora a história[*].

Mas, na avaliação, a história é o primeiro passo. Mas qual história? Através de questionários, inventários e entrevistas, busca-se saber sobre o desenvolvimento, a educação, a saúde, as relações sociais e as interações familiares. Se você é mãe ou pai, você deve ficar cautelosa(o) com profissionais que não buscam saber da história do desenvolvimento da sua criança ou adolescente[*]. Se você é um adulto ou adulta, eu diria o mesmo. Sua história é muito importante na avaliação. Os profissionais podem utilizar diferentes caminhos para investigar a história, mas ela precisa ser considerada. Uma avaliação de AH/SD sem história de vida é como um carro sem motor e rodas. Ou seja, a história é base fundante da avaliação.

A HABILIDADE INTELECTUAL

Em sociedades acadêmicas e racionalizadas como a nossa, se faz essencial o debate sobre o significado e o valor dos testes de inteligência, em geral. É preciso nos perguntar sobre isso e também perguntar aos outros o que a inteligência intelectual significa e qual seu valor. Se um teste de inteligência é visto como tão importante, por quê? Qual é sua finalidade na vida?

Um fato real sobre isso é que um teste nos dá um ganho de informações sobre a pessoa, mas este ganho é insuficiente. Os resultados dos testes de inteligência intelectual são limitados ao seu escopo, isto é, avaliar processos cognitivos. Eles não podem ser convertidos na avaliação de outras inteligências por nenhum meio ou fórmula. Eles não são intercambiáveis[*].

E, ainda, no caso de um dos mais utilizados testes que é o WISC-IV (para crianças e adolescentes) e o WASI (para crianças, adolescente e adultas/os), é preciso considerar suas limitações. Originalmente, eles não foram idealizados e construídos para uma população nem de muito baixo nem de muito alto quociente intelectual, mas para a população mediana (QI 90 a 109). O QI muito superior é aquele de 130 para cima[*].

Enfatizo que, por outro lado, temos um grupo de pessoas com AH/SD que atinge pontuações de QI entre 110 e 129. Para estas, estes testes estão mais adequados. Em suma, o uso de um teste requer conhecimento, responsabilidade e também bom senso do profissional. Nenhum teste é perfeito no sentido de atender plenamente a toda variedade de circunstâncias da vida comum. Testes são instrumentos valiosos, mas não são extraordinários. Eles não resolvem os problemas da vida das pessoas com AH/SD. Não salvam pessoas de suas frustrações nem da sua responsabilidade de crescer e tornarem-se capazes de cuidar de si mesmas. Defendo que os resultados de um teste podem ser muito úteis, mas isso dependerá de como serão utilizados.     

AS HABILIDADES EDUCACIONAIS

Uma das nítidas áreas em que uma parte das pessoas com AH/SD se diferenciam das demais é nas habilidades acadêmicas, o que se mostra pela facilidade e velocidade de aprendizagem. Quanto mais extrema forem suas habilidades intelectuais, mais difícil é para elas se encaixarem num currículo educacional padronizado[*] (por razões meio óbvias, já que estão fora do padrão esperado e para o qual o sistema educacional foi construído).

 

É comum, mas não uma regra, que as crianças com AH/SD na área acadêmica/intelectual e com quociente intelectual muito superior comecem a mostrar, desde sua primeira infância, um mais avançado desenvolvimento e desempenho em atividades intelectuais comparado as outras crianças também com AH/SD, só que mais moderadas. Isto porque as pessoas com AH/SD variam amplamente quanto ao grau de uma mesma habilidade[*].

Por exemplo, há crianças com AH/SD que aprendem a ler e a escrever com 2 anos, outras com 4 e outras com 6 anos. Na vida adulta, estas pessoas também sempre estarão em destaque se tiverem oportunidades para mostrarem seus talentos. Seu desenvolvimento também é amplamente variado.

OUTRAS HABILIDADES

Pessoas com AH/SD, frequentemente, possuem habilidades em áreas fora do que mesuram os testes psicométricos. Elas podem ter talentos na música, na arte, na escrita, nas ciências, na liderança, etc. De posse dessas habilidades, as pessoas com AH/SD são capazes de realizar tarefas e criar projetos que ninguém jamais imaginou ou tentou antes. Para captar estas habilidades, a avaliação também precisa ser criativa[*].

 

Por isso, defendo que uma padronização é contraproducente. Quem avalia pode precisar criar novos meios e instrumentos para atender a singularidade de cada caso. Como avaliar, por exemplo, a área artística? Digamos que a pessoa tenha grande interesse por fotografias. Solicitar um portfólio com suas melhores fotos pode ser um caminho. Ou se ela gosta de performar, pedir um vídeo de uma performance ou mesmo se ela possa ser feita pessoalmente para que o avaliador ou avaliadora assista. Enfim, avaliar as AH/SD requer não apenas conhecimento científico, mas criatividade. E, aqui, reitero: não há uma avaliação que seja simples, padronizada e normalizada por métodos e instrumentos únicos.

O PAPEL DA INTUIÇÃO

Intuição pode também ser chamada, neste contexto, de julgamento clínico. É algo muito importante na avaliação das AH/SD e também algo difícil de descrever porque é baseada na leitura da comunicação não-verbal na relação com o avaliando ou avalianda. Esta comunicação envolve muitos aspectos como a posição do corpo, os movimentos, os gestos, os olhares, o tom da voz, a entonação, os comportamentos que indicam aproximação e distanciamento do avaliador ou avaliadora[*], as defesas inconscientes que se mostram no processo, etc.

A leitura da comunicação não-verbal é essencial na avaliação porque ela nos traz muitas informações sobre a pessoa[*]. Por exemplo, seu nível de autoestima impacta diretamente os resultados. Pessoas confiantes e seguras, geralmente, estão mais disponíveis a mostrar suas habilidades na avaliação que aquelas que não confiam em si mesmas. As que se mostram mais temerosas e desconfiadas necessitam de um maior acolhimento por parte do avaliador ou avaliadora. É preciso investir mais na construção de uma atmosfera segura para elas, o que demanda mais esforço de quem avalia. Lembremos sempre: cada pessoa tem uma história antes de chegar à avaliação. Nem sempre esta história foi de oportunidades para o seu desenvolvimento e isto gera uma marca negativa, muitas vezes. É preciso enxergar isso no processo.

Defendo que a avaliação é um processo de cuidado. Não pode ser como se fosse uma dissecação nem uma cirurgia sem anestesia. Não podemos arrancar da pessoa informações como se enfiássemos uma faca num animal morto para tirar suas vísceras. Há pessoas que estão saudáveis no momento da avaliação e há aquelas que não estão. Há quem traz consigo muitos sofrimentos. É preciso ter sensibilidade a isto desde o primeiro contato. Pessoas necessitam ser acolhidas, sejam elas da idade que forem. Meu principal trabalho é com adultas e adultos. Há aqueles que falam muito, há aqueles que falam o mínimo necessário (no começo). Para os primeiros, é preciso delicadamente passar de uma pergunta a outra sem corta-los pela metade de um raciocínio; para os segundos, é preciso inserir falas e gestos sutis que transmitam a ideia de que podem se soltar um pouco mais, que estão protegidos ali. No final das contas, o que todas e todos necessitam é de ser acolhidos como são, incondicionalmente.

No caso de crianças, uma boa estratégia para uma sessão inicial, após as entrevistas e orientações aos pais – isto porque os pais precisam preparar a criança para a avaliação – é pedir que ela escolha um brinquedo ou jogo ou algo que ela goste muito de fazer para trazer ao primeiro encontro com a psicóloga ou psicólogo. É fundamental que a criança se sinta valorizada, que seus gostos e interesses importam. No caso de adolescentes, uma primeira sessão pode ser construída por questionários já previamente respondidos, os quais darão um norte para a conversa.

PORQUE FAZER UMA AVALIAÇÃO DE AH/SD

A avaliação adequadamente realizada é uma experiência enriquecedora e transformadora para a vida da pessoa, seja qual for a idade. Ela não saberá apenas se tem ou não tem AH/SD, mas saberá mais de si mesma. Ao saber mais sobre si, poderá escolher o que quer fazer com isso. Não raro há pais e profissionais que receiam contar à criança quem ela é por diversos medos que não deveriam existir, pois são medos irreais. Mas ao não dizer, caímos justamente num limbo do não-dito. Aquilo que não é dito, não tem sentido nem pode ser utilizado para alguma coisa. É maravilhoso saber dos potenciais e realizar talentos! E se sentimos, por algum motivo, que ser uma pessoa talentosa não é bom, então é preciso urgentemente compreender o que aconteceu ou acontece para que esta crença totalmente equivocada ainda exista em nossa mente e em nossa vida.

Outra coisa fundamental é que crianças crescem. Elas não ficarão a vida toda na escola! Comumente vejo que pais e profissionais ficam fixadas(os) na vida escolar, que é uma muito pequena parte da vida, por sinal. Parece que muita gente se esquece que a maior parte da vida é a vida adulta. É compreensível esta atitude, pois as demandas podem ser grandes na época escolar. Porém, fazer a avaliação de AH/SD numa criança ou adolescente não é apenas para ela receber atendimento educacional. É para a sua vida inteira! E aos pais cabe essa responsabilidade, a de educar sua filha ou filho para a vida adulta. Neste sentido, ter posse dos resultados de uma avaliação pode ser muito útil, pois ela apontará as facilidades e as dificuldades que precisam ser trabalhadas.

Por fim, o campo da avaliação de AH/SD está em construção e esta construção é feita por todas e todos. Cabe aos profissionais que escolhem realizar avaliações se qualificarem cada vez mais para oferecerem um serviço de excelência, mas cabe também ao público que precisa deste serviço cobrar por boas avaliações. O primeiro passo para isso, é ir em busca de conhecimento. O segundo, é ter coragem para enfrentar um amplo mar de crenças equivocadas e pessoas insensíveis. Mas em meio a esta caminhada, os semelhantes se encontram e podem construir, juntas e juntos, um mundo muito melhor.

TRÊS PERSPECTIVAS DE AVALIAÇÃO DAS AH/SD

 

Com base no descrito acima, podemos concluir que:

1) Perspectiva quantitativa

A perspectiva quantitativa é aquela em que a avaliação se pauta unicamente em testes psicométricos de inteligência. É a avaliação que utiliza apenas o quociente intelectual como critério para as AH/SD. Este tipo de avaliação identifica apenas as pessoas do grupo de alto QI, pois considera que AH/SD é sinônimo de quociente intelectual muito superior (QI 130 para cima). Nesta perspectiva, considera-se que pessoa superdotada é apenas aquela do tipo acadêmico-intelectual.

2) Perspectiva qualitativa

A perspectiva qualitativa não utiliza testes psicométricos de inteligência e se pauta apenas por outros tipos de instrumentos que não envolvem algum tipo de medida, mas principalmente a  interpretação das informações. Instrumentos utilizados neste tipo de avaliação são, por exemplo, questionários, protocolos, entrevistas, observações em sala de aula, avaliação de produções acadêmicas, artísticas, etc. A perspectiva qualitativa permite identificar pessoas dos grupos de alto rendimento e também do potencial para a excelência, bem como não se foca apenas nas AH/SD  do tipo acadêmico-intelectual. Ela considera o tipo acadêmico-intelectual e inclui os demais tipos: produtivo-criativo, nas artes, nos esportes e na liderança.

3) Perspectiva quanti-qualitativa

A perspectiva quanti-qualitativa  é baseada nas duas perspectivas anteriores. Este tipo de avaliação utiliza instrumentos qualitativos e quantitativos, o que faz dela uma avaliação mais ampla e que abrange mais dimensões da vida da pessoa. Toda avaliação multidimensional de AH/SD é fundamentada pela perspectiva quanti-qualitativa.

Em suma, nas palavras de Howard Gardner:

Eu defino a avaliação como a obtenção de informações sobre as capacidades e potenciais dos indivíduos, com o duplo objetivo de proporcionar um feedback útil aos indivíduos e informações proveitosas para a comunidade circundante. O que distingue a avaliação da testagem é o fato de a primeira favorecer as técnicas que eliciam informações no curso do desempenho habitual e sua apreensão com o uso de instrumentos formais administrados no ambiente neutro, descontextualizado” (GARDNER, 1995, p. 151).

Referências

[*] Trechos traduzidos e adaptados de Julia Osborn: “Assessing Gifted Children”, por Patricia Neumann. Quem desejar citá-los, recomendo a leitura do original e que as devidas menções sejam feitas a ele. Disponível em: https://www.hoagiesgifted.org/assessing_gifted.htm

Demais trechos podem ser citados desde que mencionem como fonte este site e a autoria de Patricia Neumann (2020). 

 

Fonte das imagens: www.google.com

 

GARDNER, Howard. Múltiplas Inteligências. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

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