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MITOS SOBRE AH/SD

Nesta página, elenco 19 mitos (crenças equivocadas) sobre as AH/SD. Crenças estas que precisamos trabalhar para desconstruir se quisermos ser parte da solução em vez de ser parte do problema. 

1. Pessoas com altas habilidades/superdotação já nasceram assim.

Não. As AH/SD têm um componente de ordem genética, mas somente como predisposição. A manifestação das AH/SD e o desenvolvimento dos potenciais em talentos depende fortemente das condições familiares, sociais, econômicas, culturais, etc. As AH/SD é desenvolvimental, ou seja, não é fixada no nascimento (Antipoff e Campos, 2010; Rech e Freitas, 2005; Reis e Renzulli, 2009).

2. Altas habilidades/superdotação é resultado de muito estímulo da família.

Não. Uma pessoa pode ter todas as condições favoráveis ao seu desenvolvimento, mas as AH/SD não pode ser ensinada. As condições familiares, sociais, econômicas, culturais... podem favorecer ou desfavorecer o desenvolvimento dos talentos, mas as AH/SD é uma condição muito específica que depende de uma predisposição. AH/SD é o conjunto de predisposição genética e meio social. (Antipoff e Campos, 2010; Rech e Freitas, 2005).

 

3. Só existe altas habilidades/superdotação em níveis socioeconômicos mais favorecidos.

Não. Existem pessoas com AH/SD em todas as classes sociais e econômicas, bem como de todos os gêneros e raças. Saliento que o o termo raça é uma construção social e, por isso, tem sido ressignificado. Em vez do sentido inicial baseado em origem biológica, o termo raça tem se tornado um instrumento para a autodefesa das pessoas afrodescendentes (Antipoff e Campos, 2010; Rech e Freitas, 2005). 

 

4. Todos os pais pensam que seus filhos têm AH/SD.

Não. Na verdade, é mais comum que os pais subestimem seus filhos que superestimem, especialmente quando os pais possuem escolaridade mais elevada. Isto acontece por vários motivos que vai desde desconhecimento das AH/SD, prevalência do estereótipo do gênio até falta de ter contato com outras crianças e jovens com AH/SD. O parâmetro de comparação são os pares medianos, o que pode levar os pais a desejarem um filho na média, justamente por interpretarem que é muito difícil ter um filho diferente (Porter, 2006) [tradução: Patricia Neumann].

5. Identificar as altas habilidades/superdotação em crianças na escola faz com que elas se achem melhores que as outras.

Absolutamente falso. Identificar as AH/SD, independente da idade, mas principalmente quando criança ou adolescente é fundamental para que seus direitos enquanto público da Educação Especial sejam cumpridos. A ideia de que a pessoa com AH/SD se achará melhor que os demais tem muito a ver com o imaginário das pessoas em relação a quem é talentosa(o). Ou seja, são os outros que pensam que a pessoa talentosa é melhor e esperam que ela mesma mostre isso (Antipoff e Campos, 2010; Rech e Freitas, 2005).

6. Crianças e adolescentes com altas habilidades/superdotação não precisam de atendimento educacional especializado, pois já sabem tudo.

Este é um dos piores equívocos sobre as AH/SD. São muitas as necessidades que uma criança ou adolescente pode ter, pois nenhum ser humano é invencível e invulnerável. Ter algum destaque e alguns talentos não quer dizer ter tudo o que se precisa para viver. Em algumas situações, a criança ou adolescente pode não requerer ajuda, mas em tantas outras pode precisar muito, especialmente na área socioemocional. Aprender a gerenciar as próprias emoções e as relações interpessoais é uma das maiores necessidades de crianças e jovens com AH/SD (Antipoff e Campos, 2010; Rech e Freitas, 2005).

 

7. Quem tem altas habilidades/superdotação apresenta alto desempenho em todas as disciplinas escolares, “tira 10 em tudo”.

Encontrar uma criança ou adolescente que tenha alto desempenho em todas as áreas não é impossível. Existem pessoas assim, mas é uma minoria. A maior parte, em geral, apresenta alto desempenho somente na sua área de interesse e, ainda, muitas crianças e adolescentes não apresentam alto desempenho na escola, não chegam nem mesmo na média, ou seja, apresentam sub-rendimento. Neste caso, são os chamados underachievers. Isto porque alto rendimento escolar depende de muitos fatores como familiares, individuais, educacionais e sociais. Em outras palavras, para ter um alto rendimento escolar não basta ter AH/SD. É preciso um conjunto de condições favoráveis (Antipoff e Campos, 2010; Rech e Freitas, 2005).

 

8. Tudo é fácil para quem tem altas habilidades/superdotação.

 

Não. Algumas coisas em algumas áreas podem ser mais fáceis que para a maioria, mas também pode haver dificuldades em outras áreas. Um fenômeno bastante comum é a assincronia, ou seja, alto desempenho em uma área e baixo em outra. Por exemplo, elevado desempenho cognitivo e baixo desempenho socioemocional. Outra possibilidade é de ocorrer múltipla condição, isto é, junto às AH/SD existir uma outra ou mesmo mais de uma condição diferenciada de desenvolvimento que pode trazer dificuldades. Exemplos são o TEA e o TDAH (Antipoff e Campos, 2010; Rech e Freitas, 2005).

 

9. Pessoas com AH/SD ficam entediadas sempre por falta de estímulos intelectuais.

Não. O tédio nem sempre é falta de estimulação intelectual. Ele pode significar muitas coisas, dentre elas: que a atividade é difícil e vai além da sua capacidade, quando a atividade é desinteressante, ou seja, a pessoa não gosta de fazer aquilo e é obrigada a fazer (como tarefas de casa ou estudar para provas), medo de fracassar na atividade, interesse por outras coisas; receio de que se fizer bem aquela atividade, lhe darão mais coisas pra fazer, etc. Além de que o tédio pode também ser indicador de algum problema socioemocional. Em todos esses casos, dar mais tarefas intelectuais não resolverá o problema (Strop, 2008; Porter, 2006) [tradução: Patricia Neumann].  

10. Toda pessoa com altas habilidades/superdotação tem QI muito superior (130 para cima).

Este é um dos mais difundidos mitos sobre as AH/SD. Existem pessoas que têm AH/SD com QI entre 110 e 129. As AH/SD são uma condição multidimensional, isto é, diversos são as suas dimensões e, dentre elas, está o QI que é uma medida de apenas alguns fatores cognitivos. Além disso, o QI não abrange outras áreas da vida como criatividade e motivação. Isto significa que testes de inteligência têm sua importância, mas são limitados quando pensamos no desenvolvimento como um todo (por Patricia Neumann, 2020).  

 

11. A população com altas habilidades/superdotação é de 3% a 5%.

Este é um mito que teve seu início no início dos anos 1980 e, incrivelmente, se mantém até hoje. Ele é baseado numa perspectiva que adota o critério de QI muito superior (130 para cima) como fator determinante das AH/SD. Este critério era e ainda é exclusivo para pessoas com AH/SD na área intelectual e exclui todas as demais áreas, pois comumente pessoas talentosas em outras áreas não atingem tal medida num teste de inteligência. Mesmo muitos talentosos na área intelectual não pontuam 130 ou mais. Este mito leva a absurdos como afirmar que uma pessoa com QI 129 não tem AH/SD. Este mito também é responsável pela crônica falta de identificação de crianças, jovens e adultos oriundos de camadas socioeconômicas desfavoráveis e minorias raciais. Ou seja, defender o mito do QI muito superior é uma forma de excluir a maioria da população talentosa (Borland, 2009) [tradução: Patricia Neumann].

 

Obs. Recentemente, Renzulli (2014) tem defendido que a população com AH/SD é de 15%. Isto é reflexo de uma compreensão mais ampla, o que leva a tomar como válidos mais critérios de identificação, que é o que têm feito todos os modelos multidimensionais (vide aba Modelos/Teorias de AH/SD).

12. Pessoas com altas habilidades/superdotação são arrogantes. Se as crianças, jovens ou adultas(os) se juntarem em grupo, serão mais esnobes.

Pessoas podem ser arrogantes e esnobes, sejam elas com AH/SD ou não. Em alguns casos, a pessoa com AH/SD pode usar de arrogância como uma defesa inconsciente. Arrogância é uma forma de manter outras pessoas afastadas. Isto pode ser um efeito de experiências sociais dolorosas. Além disso, alguns adultos usam este mito para racionalizar decisões sobre não permitir que estudantes com AH/SD trabalhem e estudem juntos ou para não prover a eles oportunidades para desenvolver seus talentos. As pessoas com AH/SD precisam estar inseridas em grupos para aprender a conviver em sociedade. Este mito surgiu nos anos 1920, quando a psicóloga Leta Holligworth abriu as primeiras salas de atendimento especializado só para crianças com AH/SD. As famílias tinham medo que, ao reunir estas crianças, elas se julgassem superior as outras. Isto não aconteceu. Pelo contrário, o convívio com os pares compatíveis ajudou as crianças a se socializarem melhor com as demais (Galbraith e Delisle, 1996; Silverman, 1990) [tradução: Patricia Neumann].

 

13. Pessoas com altas habilidades/superdotação são sempre isoladas e não gostam de socializar.

O isolamento social de uma pessoa com AH/SD pode ter várias causas. Pode ser uma forma de se proteger dos outros e evitar experiências desagradáveis. Pode ser por algumas dificuldades nas habilidades sociais e dificuldades em lidar com frustrações que surgem nas relações. Pode ser por incompatibilidade de interesses com os colegas. Pode ser por traços de personalidade, a qual tende mais à introspecção. Pode ser por autoconceito negativo e autoestima baixa... Pessoas com AH/SD comumente apreciam estar consigo mesmas, mas isto não significa que não gostem de fazer amizades e de ter relacionamentos afetivos próximos. A questão é que tendem a se dar bem com pessoas compatíveis em valores e interesses (Patricia Neumann, 2020). Cito a fala de uma superdotada de 15 anos: “Não é que nós tenhamos pouca habilidade social, é que temos diferentes habilidades sociais”.

 

14. Crianças com altas habilidades/superdotação serão adultas(os) de sucesso.

O fato de ter a condição de AH/SD em nada garante uma vida de sucesso, seja esse sucesso profissional e/ou pessoal. Há muitos fatores em jogo para se ter uma vida satisfatória. Novamente, isto dependerá de fatores familiares, individuais, educacionais e sociais (Antipoff e Campos, 2010; Rech e Freitas, 2005).

 

15. Pessoas com pessoas com altas habilidades/superdotação têm tendência à doença mental.

Até o momento, pesquisas desta área são inconclusivas. Ou seja, não se sabe se as pessoas com AH/SD podem ser mais ou menos suscetíveis a problemas de saúde mental que as demais (Peterson, 2009). Comumente se associa AH/SD com doenças mentais, mas são condições completamente diferentes. O que ocorre é que algumas características, em alguns momentos, nas AH/SD pode se assemelhar a características de algumas doenças mentais, principalmente por falta de atendimento especializado na educação e na saúde. Pelo desconhecimento das AH/SD, facilmente estas pessoas são diagnosticadas como tendo alguma doença. Isto se intensifica em uma sociedade como a nossa que tende a ver como patologia qualquer diferença (Patricia Neumann, 2020).

 

16. As pessoas com altas habilidades/superdotação apresentam mais problemas de ajustamento social (há uma tênue linha entre AH/SD e loucura).

Geralmente, os problemas socioemocionais que pessoas com AH/SD apresentam, em qualquer idade, é fruto da incompatibilidade entre suas necessidades especiais e o meio social. São pessoas que estão em constante risco de dificuldades emocionais e sociais não porque seu sistema nervoso é atípico, mas porque suas necessidades de desenvolvimento são recebidas com reações negativas ou indiferença pelos outros. Muitas pesquisas mostram que o desenvolvimento socioemocional de pessoas com AH/SD ocorre de modo mais eficiente que as pessoas medianas. Em contrapartida, outras pesquisas mostram que não há diferenças significativas entre o desenvolvimento socioemocional entre AH/SD e outras pessoas. O fato é que cada pesquisa leva em conta determinados critérios, o que pode levar a resultados diferentes por grupos dentro das AH/SD (Porter, 2006) [tradução: Patricia Neumann].

17. Pessoas com altas habilidades/superdotação são defeituosas geneticamente e isso gera o desajustamento social.

Este mito surgiu no século XIX. Ele foi dissipado pelos estudos de Lewis Terman e Leta Holligworth, os quais afirmaram as habilidades intelectuais extraordinárias das crianças e abriram uma nova visão sobre sua dimensão psicológica e atributos de aprendizagem, para além dos critérios usados na época para sua identificação. Já no início do século XX, os testes de QI foram associados às AH/SD em que o elevado QI era o critério para que a criança fosse admitida em programas escolares para AH/SD. Hoje, a ideia de que o elevado QI é determinante nas AH/SD tem sido cada vez mais considerada como ultrapassada e inadequada. Abordagens contemporâneas têm expandido a visão para as AH/SD como um construto desenvolvimental (Papadopoulos, 2019) [tradução: Patricia Neumann].

18. Pessoas com altas habilidades/superdotação não possuem necessidades emocionais e sociais específicas.

Este mito se reforça no estereótipo de pessoas com AH/SD sempre autoconfiantes e automotivadas, sejam elas enquanto estudantes, atletas, artistas, etc. Como se o fato de ter AH/SD fosse suficiente para nunca ter dificuldades ou desafios quanto ao desenvolvimento socioemocional. Mas as AH/SD podem ocorrer em conjunto com outras condições que provoquem dificuldades de aprendizagem, o que contribui para a frustração, problemas de comportamento e um desconforto no meio escolar e social. Pessoas com AH/SD podem ter problemas muito singulares em outras áreas da vida que não a intelectual e estes problemas têm relação com suas necessidades emocionais e sociais específicas não atendidas. Por exemplo, traumas emocionais, ansiedade, depressão, ideação suicida, baixo rendimento, bullying, baixo nível de coping e impasses quanto à carreira profissional. Quanto à carreira, pessoas com AH/SD podem precisar de muito mais cedo de orientações e atenção que os demais (Peterson, 2009) [tradução: Patricia Neumann].

19. As pessoas com altas habilidades/superdotação são um grupo homogêneo.

Não. Na verdade, não há grupo humano mais diverso entre seus membros que o grupo de pessoas com AH/SD. Não existe padrão de talento. Uma forma de caracterizar as pessoas com AH/SD é justamente como aquelas que têm habilidades variadas e alto potencial para uma ou mais áreas. Alguns elementos são comuns a todos, mas as pessoas com AH/SD têm diferentes aptidões, interesses, estilos de aprendizagem, modos de expressão, habilidades (verbais e não-verbais), nível de rendimento, background acadêmico, cultura, identidade, nível de esforço, oportunidades de desenvolvimento, bem como diferem em idade, sexo, transtornos, grupo étnico, etc (Reis e Renzulli, 2009) [tradução: Patricia Neumann].

Referências

Fonte das imagens: www.google.com

 

ANTIPOFF, Cecília Andrade. CAMPOS, Regina Helena de Freitas. Superdotação e Mitos. Revista da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, v.14, n.2, pp. 301-309, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pee/v14n2/a12v14n2.pdf

BORLAND, James H. The gifted constitute 3% to 5% of the population. v.14, n.2, pp. 236-238, 2009. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0016986209346825

GALBRAITH, M.A.; DELISLE, Jim. The Gifted Kids’ Survival Guide: A Teen Handbook. MN: Free Spirit Publishing, 1996. Disponível em: https://www.mcfarland.k12.wi.us/families/Advanced_Learner/TenMyths.pdf

PAPADOPOULOS, Dimitrius. Psychological Framework for Gifted Children’s Cognitive and Socio-Emotional Development: A Review of the Research Literature and Implications. Journal for the Education of Gifted Young, v.8, n.1, 305-323, 2020. Disponível em: https://dergipark.org.tr/tr/download/article-file/970998

PETERSON, Jean S. Gifted and talented individuals do not have unique social and emotional needs. Gifted Child Quarterly, v.53, n.4, pp. 280-282, 2009. Disponível em:

https://www.researchgate.net/publication/240729755_Myth_17_Gifted_and_Talented_Individuals_Do_Not_Have_Unique_Social_and_Emotional_Needs

PORTER, Louise. Twelve myths of gifted education, 2006. Disponível em: file:///C:/Users/Patricia/Desktop/site/TEXTOS%20CITADOS/20%20myths%20ahsd.pdf

 

STROP, Jean. When I’m bored doesn’t call for more challenge. Understanding our Gifted, v.20, n.2, 2008, pp. 28-29. Disponível em: http://www.ourgifted.com/Journals/UOG20-2.pdf

RECH, Andréia Jaqueline Devalle; FREITAS, Soraia Napoleão. Uma análise dos mitos que envolvem os alunos com altas habilidades: a realidade de uma escola de santa maria/rs. Revista Brasileira de Educação Especial, v.11, n.2, pp. 295-314, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbee/v11n2/v11n2a9.pdf

 

REIS, Sally M.; RENZULLI, Joseph S. The gifted and talented constitute one single homogeneous group and giftedness is a way of being that stays in the person over time and experiences. Gifted Child Quarterly, v.53, n.4, pp. 233-235, 2009. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/274433069_Myth_1_The_Gifted_and_Talented_Constitute_One_Single_Homogeneous_Group_and_Giftedness_Is_a_Way_of_Being_That_Stays_in_the_Person_Over_Time_and_Experiences

SILVERMAN, Linda K. Social and emotional education of the gifted: The discoveries of Leta

Hollingworth. Roeper Review, v.12, n.3, p.171, 1990. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/02783199009553265

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