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INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS

Algumas palavras de Howard Gardner

Permitam-me transportar a nós todos para a Paris de 1900 quando os pais da cidade procuraram um psicólogo chamado Alfred Binet com um pedido incomum: Seria possível ele desenvolver algum tipo de medida que predissesse quais crianças iriam ter sucesso e quais iriam fracassar nas escolas parisienses? Como todos sabem, Binet conseguiu. Rapidamente, sua descoberta veio a ser chamada de teste de inteligência, sua medida, o QI. Como outras modas parisienses, o QI logo chegou aos Estados Unidos, onde teve um modesto sucesso até a Primeira Guerra Mundial. Então, foi utilizado para testar mais de um milhão de recrutas americanos e se tornou verdadeiramente célebre. A partir deste momento, o teste de QI apareceu o maior sucesso da psicologia, um instrumento científico genuinamente útil.

Qual foi a visão que levou a esse entusiasmo em relação ao QI? Pelo menos no oeste, as pessoas sempre confiaram em avaliações intuitivas de qual espertas as outras pessoas seriam. Agora, a inteligência parecia ser  quantificável. Você podia medir a altura real ou potencial de alguém, e agora, parecia, você também podia medir a inteligência real ou potencial da pessoa. Nós tínhamos uma dimensão de capacidade mental ao longo da qual poderíamos ordenar todas as pessoas [...].

Eu gostaria de sugerir que juntamente com esta visão unidimensional de como avaliar as mentes das pessoas vem uma visão de escola correspondente que chamarei de visão uniforme. Na escola uniforme, existe  uma série de fatos que todos devem conhecer [...]. Elas [as escolas uniformes] conseguem classificações confiáveis de pessoas; os melhores e mais brilhantes vão para as melhores universidades e talvez, mas apenas talvez, também obtenham melhores classificações na vida [...]. 

Mas existe uma visão alternativa que eu gostaria de apresentar, baseada numa visão da mente radicalmente diferente, que produz um tipo de escola muito diferente. É uma visão pluralista da mente, reconhecendo muitas facetas diferentes e separadas da cognição, reconhecendo  que as pessoas têm forças cognitivas diferenciadas e estilos cognitivos contrastantes. Eu também gostaria de introduzir o conceito de uma escola centrada no indivíduo que considera seriamente essa visão multifacetada de inteligência. Este modelo de escola se baseia, em parte, nos achados científicos que ainda não existiam no tempo de Binet:  a ciência cognitiva e a neurociência. É uma abordagem assim que chamei minha teoria de “inteligências múltiplas”. [trechos extraídos na íntegra da obra Inteligências Múltiplas, 1995, pp. 12-13]

UMA ABORDAGEM ALTERNATIVA

Embora a sociedade de testagem tenha respondido mais a necessidades pragmáticas que a preceitos científicos, ela realmente reflete uma visão de natureza humana. As ideias científicas em que a sociedade de testagem se baseia se originam de uma época anterior, em que as visões da cognição e desenvolvimento dos comportamentalistas, teóricos da aprendizagem e associacionistas eram predominantes. De acordo com essas visões, fazia sentido acreditar em capacidades humanas inatas, numa curva de aprendizagem regular e linear do período da infância até a velhice, numa hierarquia de disciplinas e no desejo de avaliar o potencial e a realização em condições cuidadosamente controladas e descontextualizadas. Nas últimas décadas [do século XX], entretanto, os vários pressupostos sobre os quais a testagem foi construída foram sendo gradualmente enfraquecidos pela pesquisa desenvolvimental, cognitiva, educacional e emergiu uma visão muito diferente (GARDNER, 1995, p.144).

A Perspectiva Desenvolvimental

Esta perspectiva defende que existem significativas diferenças em aspectos importantes conforme a faixa etária. As crianças não são uma versão em miniatura dos adultos. Algumas teorias compreendem o desenvolvimento em estágios qualitativamente diferentes em que se supõe que o desenvolvimento não é regular, nem linear e nem livre de perturbações. Nesta perspectiva, também se considera que pode haver períodos críticos ou sensíveis nos quais possa ser especialmente fácil ou difícil de dominar certos tipos de materiais (Ibid, 1995, p.144). 

Comentário:  Gardner se refere a teoria de Jean Piaget, mas existem outros teóricos que também defendem a perspectiva desenvolvimental como, por exemplo, Sigmund Freud e os psicanalistas que se seguiram com um trabalho especialmente dedicado à infância como Donald Winnicott e Melanie Klein. Outros teóricos de suma importância dentro da perspectiva desenvolvimental são Carl Rogers e Kazimierz Dabrowski.

A Perspectiva de Sistema Simbólico

No auge da visão comportamentalista não havia necessidade de postular qualquer tipo de entidade mental como uma ideia, um  pensamento, uma crença ou um símbolo. Comportamentos ou ações eram apenas observados e acreditava-se que os pensamentos eram apenas movimentos silenciosos da musculatura. Mais ao final do século XX, houve um crescente reconhecimento da importância, na cognição humana, da capacidade de utilizar vários tipos de sistemas simbólicos. Os seres humanos são criaturas da comunicação que armazenam significados através de palavras, desenhos, gestos, números, padrões musicais e muitas outras formas simbólicas. As manifestações deste símbolos são públicas, mas os processos mentais necessários para manipular os símbolos devem ser inferidas dos desempenhos que a pessoa realiza em vários tipos de tarefa (Ibid, 1995, p.145).

 

Os bebês mais novos não utilizam símbolos e a emergência do seu uso começa a ocorrer a partir do segundo ano de vida. A partir dessa idade, adquire-se rapidamente a capacidade de utilizar os símbolos e sistemas simbólicos específicos daquela cultura. Existem dois níveis de uso dos símbolos. O primeiro nível reúne o conhecimento prático e sistemas simbólicos de primeira ordem, os quais são transmitidos pelo primeiro ambiente de aprendizagem da criança que é o meio familiar. O segundo nível de uso de símbolos e aquele que é constituído por sistemas inventados da cultura como a escrita e os números. Dominar os sistemas simbólicos pode ser difícil para muitos alunos em nossa sociedade, inclusive para aqueles que dominaram facilmente os sistemas simbólicos de primeiro nível (Ibid, 1995, p.146). 

Quase todos os testes formais pressupõe que a pessoa conheça os sistemas simbólicos de segundo nível da cultura. Assim, esses testes colocam dificuldades especiais para aqueles que, por alguma razão, tiveram dificuldade em adquirir um conhecimento simbólico de segundo nível ou não conseguem projetar esse conhecimento em formas anteriores de representação mental (Ibid, 1995, p. 146).

Comentário: esta colocação de Gardner é especialmente importante para as AH/SD, pois o desenvolvimento da capacidade simbólica de crianças com AH/SD é, em muitos casos, visivelmente avançada. Existem crianças que começam a adquirir sistemas simbólicos de segundo nível antes dos dois anos. Quero dizer que são crianças que não apenas reproduzem letras ou palavras, mas que compreendem o seu significado. Certamente, tal aquisição de sistemas simbólicos depende do meio familiar da criança, o qual pode favorecer ou não o seu desenvolvimento. Esta capacidade avançada em adquirir o conhecimento simbolizado continuará durante toda a vida da pessoa com AH/SD, o que fará com que ela se sinta diferente em sua forma de compreender e agir no mundo.

Competências e Habilidades fora da Mente do Indivíduo

Em muitos casos, é um equívoco concluir que o conhecimento necessário para executar uma tarefa está totalmente na mente de uma única pessoa. Este conhecimento pode estar distribuído, ou seja, o bom desempenho de uma tarefa depende de um conjunto de pessoas, em que nenhuma delas tem toda a condição necessária, mas em que todas, ao trabalhar juntas, são capazes de realizar a tarefa. Igualmente, é simplório demais afirmar que uma pessoa tem ou não tem conhecimento necessário. Essa perspectiva faz pensar na competência cognitiva humana como uma capacidade emergente que tende a se manifestar na intersecção de três diferentes constituintes. São eles a própria pessoa com suas habilidades, conhecimentos e objetivos; a estrutura de um domínio de conhecimento na qual estas habilidades podem ser despertadas e um conjunto de  instituições e papéis, um campo circundante, que julga quando um determinado desempenho é aceitável e quando ele não é (Ibid, 1995, p. 149).

A obtenção e transmissão do conhecimento dependem de uma dinâmica que se sustenta nestes três componentes. A realização humana pressupõe uma consciência dos diferentes domínios de conhecimento na própria cultura e de várias forças de campo que afetam a oportunidade, o progresso e o reconhecimento. Ao se centrar o conhecimento em uma única mente em um único momento, a testagem formal pode distorcer, ampliar ou subestimar uma pessoa e o que ela pode fazer em um ambiente social (Ibid, 1995, p. 149).

Comentário: A crítica que Gardner faz em relação à testagem se refere a uma primeira concepção de testes que era centrada unicamente na pessoa e era desconsiderado totalmente o seu contexto social. Hoje,  a construção de testes de inteligência pressupõe que os resultados obtidos pela pessoa avaliada tem sua validade apenas naquele momento, pois considera que a inteligência é mutável e muitos são os fatores que nela incidem como os não cognitivos e sociais. Além disso, cada teste só é válido para a população  específica para qual foi construído, justamente por levar em conta as influências como idade cronológica e cultura. Testes de inteligência têm sido cada vez mais aprimorados com base na perspectiva desenvolvimental. No que tange às AH/SD, seria importante o desenvolvimento de testes específicos para este público.

 

AS INTELIGÊNCIAS


Gardner elencou, inicialmente, as inteligências linguística, lógico-matemática, musical, viso-espacial, cinestésico-corporal, naturalista, intrapessoal, interpessoal e existencial. Todas as pessoas possuem todas as inteligências em alguma medida, embora se diferenciam em grau de habilidades e na natureza da sua combinação. A interação entre as inteligências é fundamental para o trabalho mental e esta interação faz com que uma inteligência ajude a aprimorar a outra (TAMILSELVI e GEETHA, 2015, p. 3) [tradução: Patricia Neumann].

Pessoas com Inteligência Linguística

Essas pessoas preferem processar a informação através de palavras e linguagem verbal invés de imagens. Elas preferem métodos escritos ou orais ou ambos. São sensíveis ao significado, à ordem e ao som das palavras, bem como utilizam linguagens variadas. Elas são hábeis em conversar, gostam de explicar, convencer e persuadir através das palavras. São também boas em ouvir, ler e contar histórias. Elas apreciam ritmo e poesia e têm boa memória para nomes e datas (Ibid, 2015, p. 3).

 

Pessoas com Inteligência Lógico-Matemática

São pessoas que colocam ordem nas coisas através de análise, agrupamento e categorização. Elas reconhecem relações, conexões e modelos mais facilmente. São capazes de lidar com longas cadeias de raciocínio e preferem a razão para realizar coisas. Possuem um bom raciocínio indutivo e dedutivo. São rápidas para aprender equivalências e perguntam frequentemente sobre o como e o porquê das coisas. Elas resolvem problemas rapidamente e são boas em predizer, a  analisar e teorizar (Ibid, 2015, pp. 3-4).

 

Pessoas com Inteligência Musical

São pessoas que aprendem melhor através de sons, ritmo e música. Aprendem melhor quando uma música está tocando e através de metáforas musicais. São hábeis para perceber tons e modelos rítmicos. Elas têm um senso auditivo e de discriminação de sons bem desenvolvido. São capazes de criar, organizar ritmicamente e compor músicas. Elas lembram sons com facilidade e são capazes de cantar e/ou tocar instrumentos (Ibid, 2015, p. 4).

 

Pessoas com Inteligência Viso-Espacial

Estas pessoas processam informações usando imagens e a imaginação. Elas têm um senso de direção e uma habilidade para pensar e planejar em três dimensões. São capazes de criar complexas imagens mentais e possuem uma ativa imaginação, bem como são capazes de se localizar mental e fisicamente em relação ao ambiente em que estão. Elas veem o mundo físico acuradamente e o transpõe para novas formas. Têm habilidade de ver coisas e relações e de construir mapas mentais extensivos. Preferem suportes visuais como vídeos, imagens, fotos, posters, etc. Além disso, organizam espaço, objetos e áreas e são boas em desenho e decoração (Ibid, 2015, p. 4).

 

Pessoas com Inteligência Cinestésico-Corporal

Estas pessoas processam informação através de seu corpo, isto é, através dos músculos, das sensações e do movimento. Seu corpo é o caminho para o aprendizado e a compreensão de qualquer assunto, bem como é através dele que estas pessoas se expressam. Elas possuem uma sensível habilidade para usar o corpo e lidar com os objetos seja com a coordenação motora fina ou grossa. Elas expressam emoções através de movimentos corporais, gostam de se movimentar e dançar. Preferem usar o corpo para cumprir ou realizar atividades e experimentam uma conexão forte entre mente e corpo. Elas expandem sua consciência através do corpo e da experiência física (Ibid, 2015, p. 4).

 

Pessoas com Inteligência Intrapessoal

São pessoas que têm um forte senso delas mesmas e de suas necessidades. São auto reflexivas e podem ser inconformistas. Possuem um bem desenvolvido senso de si mesmas e apresentam consciência e expressão de suas diferentes emoções. São bastante capazes de pensar sobre seus próprios pensamentos, ou seja,  metacognição. Frequentemente, elas apreciam descobertas e podem gostar de escrever, de poesia e de momentos de introspecção. Elas são excelentes em planejar e elencar metas. Gostam de solitude e de pensar e ficam consigo mesmas. Também, elas têm uma compreensão de seus potenciais e limitações (Ibid, 2015, p. 4).

 

Pessoas com Inteligência Interpessoal

Estas pessoas processam informação através da relação com os outros. É na relação com os outros que elas melhor compreendem elas mesmas e o mundo. São capazes de observar e discernir elementos dentre os outros como o humor, temperamento e sentimentos. Elas percebem nas entrelinhas as intenções, os comportamentos e as perspectivas. Fazem amigos facilmente e gostam da companhia dos outros. São capazes de adentrar na perspectiva da outra pessoa e respondem de modo verbal e não-verbal à comunicação facial e corporal. São capazes de negociar e lidar bem com conflitos, de trabalhar cooperativamente em grupo e também com diferentes tipos de pessoa. Possuem boa comunicação e apreciam dialogar (Ibid, 2015, p. 4).

 

Pessoas com Inteligência Naturalista

São pessoas que usualmente identificam e organizam modelos que consistem em fauna e flora, tempo atmosférico e estações, bem como objetos construídos pelo ser humano. Elas têm expertise em reconhecer e classificar um grande número de espécies na fauna e na flora. Possuem conhecimento e interesses relacionados ao meio ambiente de um um ser vivo e são sensíveis aos fenômenos naturais como formação de nuvens, montanhas, florestas, etc (Ibid, 2015, p. 5).

 

Pessoas com Inteligência Existencial

Estas pessoas podem ser descritas como profundamente conscientes do cosmos, sua diversidade, complexidade, interconexões e mistérios. Frequentemente, são pessoas que persistem nas grandes questões que são difíceis de serem respondidas ou mesmo ainda permanecem sem resposta. Isto envolve uma habilidade em usar valores coletivos e intuição para compreender os outros e o mundo ao redor. São pessoas capazes de enxergar o mundo em sua mais ampla perspectiva e buscam pelo sentido das coisas e da existência. Elas também procuram pelas conexões que existem entre as coisas do mundo e gostam de sintetizar ideias baseadas neste aprendizado. Também desenvolvem uma forte identidade com a humanidade e expressam um senso de pertencimento à comunidade global. Gostam de se envolver em causas sociais e políticas (Ibid, 2015, p. 5).

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Em suma, as principais mensagens do modelo de Gardner são: 

1.Todas as pessoas nascem com uma mistura única das inteligências.

2. As inteligências se combinam de modo complexo.

3.Existem muitas maneiras de ser inteligente dentro de cada categoria.

4.A maioria das pessoas podem desenvolver cada inteligência para um nível adequado de competência.

5.As escolas tendem a dar ênfase principalmente em duas inteligências, as quais são associadas à inteligência acadêmica, ou seja, a linguística e a lógico-matemática.

6.O currículo escolar deveria ser melhor balanceado para refletir um campo mais amplo de inteligências (TAMILSELVI e GEETHA, 2015, p. 3).

Referências

Fonte das imagens: www.google.com

GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas. Porto Alegre: Objetiva, 1995.

TAMILSELVI, B.; GEETHA, D. Efficacy in teaching through “multiple intelligence”: instructional strategies. Journal on School Educational Technology, v.11, n.2, pp.1-10, 2015.

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